quinta-feira, 24 de julho de 2003

Libéria - uma polémica

O Pedro Mexia discorda do que aqui escrevi sobre a Libéria e propõe que se prolongue o debate. Concordo.
1. A minha perplexidade baseou-se em dois ou três textos que glosavam os apelos da esquerda bem pensante e caridosa, que, como se sabe, inclui o Papa, o Chirac e o professor Palhinhas, para uma intervenção americana na Libéria, em contradição com o «ai Jesus, que eles vão invadir o Iraque». Ora, eu não ouvi os apelos. Daí ter notado um erro de análise - o comentário comentava uma não-coisa. Havendo tantos e tão bons motivos para nos arranharmos, escusamos de nos esgotar em inutilidades.
2. Mas, como o PM vai à substância da coisa, aqui ficam dois ou três apontamentos para início de conversa:
- As relações internacionais devem basear-se em leis, doutrinas, «regras fixas». Mas a actuação concreta depende sempre da conjuntura, do cruzamento de interesses que se gera a cada momento. Daí que perceba, por exemplo, que os EUA tenham querido intervir no Iraque e não desejem fazer o mesmo na Coreia do Norte. Cada caso é um caso. O cinismo, no sentido nobre que a palavra possa ter, é pedra basilar das relações internacionais.
- Os laços, históricos, afectivos, económicos são motor das relações internacionais. Aceito, sem discussão de maior, que Portugal se envolva nos assuntos de Angola, mas nem com grandes debates me convencem de que devemos acudir a conflitos étnicos no Bangladesh.
- Iraque e Libéria são duas coisas completamente distintas. No Iraque, do ponto de vista dos EUA, tratava-se, essencialmente, de derrubar um regime para garantir condições de segurança aos seus vizinhos, aos EUA e ao mundo. A Libéria é um caso de emergência humanitária. Estão em confronto duas forças equilibradas que ameaçam arrasar o país. O poder já resignou (o Presidente aceitou o asilo). O que está em causa é a formação de uma força de interposição, que chegue lá e diga aos bandidos das duas partes - ponham as armas no chão, vamos negociar, chamar a ONU, a UA, a CEDEAO, fazer eleições. Os países vizinhos estão dispostos a isso, mas como eles próprios estão indirectamente envolvidos ou têm interesses no conflito, acham que será necessário alguém vindo de fora - e já agora com poderio militar - para pôr aquela gente na ordem.
- A operação militar seria sempre completamente diversa da do Iraque. Na Libéria, um pequeno contigente americano seria suficiente para liderar as forças internacionais.
3. A coisa vai longa. Fiquemos por aqui. Por agora.