O jornalismo que temos - uma polémica
De João Pedro Henriques, jornalista do Público, recebi um e-mail a propósito do comentário que fiz a um artigo de Emídio Rangel. O texto segue na íntegra. Os comentários virão depois.
Meu caro J,
Hoje irritaste-me com aquela das «redacções [que] genericamente falando, são já casos perdidos». Irrita-me o «genericamente». Porque o «genericamente» é só uma muletazinha medrosa para não te dares ao trabalho de especificar, com toda a tua liberdade, as que são, e as que não são, «casos perdidos».
Porque (sabes tão bem quanto eu) que embora nenhuma redacção portuguesa esteja perto da perfeição (quer dizer: daqueles modelos internacionais que admiramos), na verdade há diferenças entre umas e outras. Umas são melhores do que outras; numas não se investiga; noutras investiga-se alguma coisa; umas estão assentes nos pés de microfones; outras não.
O «genericamente» é, aliás, um tique muito pacheco-pereiriano! Dou-lhe razão em inúmeras coisas que escreve sobre o jornalismo. Mas pecam sempre por um defeito: mete tudo no mesmo saco. Simpático seria eu dizer que é por facilitismo. Não é: trata-se de cobardia pura e simples.
O extraordinário, quando te referes ao «caso Preto», é que esqueces o essencial: foi por uma notícia que soubeste da história; por um jornal; porque alguém (no caso, o Expresso, honra lhe seja feita) que soube da história e a contou. Quer dizer: comentas insuficiências do jornalismo depois de actos jornalísticos te darem pretextos para isso.
Nunca criticarias os «pés de microfone» do «caso Preto» se, antes disso, não tivesse havido um jornal e jornalistas que te contaram a história. E há outra coisa: felizmente estamos impedidos de usar métodos de tortura para extrair confissões aos visados das notícias. Portanto só podemos transcrever do sr. Preto o que ele diz: recebeu honorários de advogado em malas de dinheiro. É estranho? É claro que é! E podemos dizê-lo, sob a forma de comentário, o que até já aconteceu.
Último ponto: as «fontes». Escreves: «O jornalismo de investigação em Portugal, excepto raríssimas excepções, é jornalismo orientado pelas fontes. Divulga-se, consciente ou inconscientemente, apenas o que elas querem.»
Eu respondo: haja quem tem fontes! Haja quem faz por isso! Quem se dê a esse trabalho! Porque quem tem essas fontes que tu tanto abominas é
quem te conta as histórias que tu depois comentas e criticas. O jornalismo de quem tem fontes alimenta o teu metajornalismo do Terras do Nunca. Um chuveirinho de humildade não calhava nada mal.
Um abraço do teu amigo de sempre,
João Pedro Henriques
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