sábado, 5 de julho de 2003

Wolfowitz e os editores

O Abrupto atirou os editores dos media tradicionais para a arena. O Liberdade de Expressão pegou no tema e ressuscitou o dossier Wolfowitz.
Comecemos pelo último. Os blogues gabam-se de ter reposto a verdade acerca do que disse o adjunto da Defesa dos EUA sobre as justificações da guerra no Iraque. Os blogues não se gabam, por exemplo, de ter ajudado a repôr a verdade acerca dos actos heróicos de Jessica Lynch e dos seus salvadores. Quero com isto dizer que os blogues, como os media tradicionais, regem-se por um agenda invisível que, conforme as circunstâncias, vai fazendo pender a verdade para um lado ou para o outro. Quem conhece os media por dentro (e muitos dos que por aí andam a gabar-se do caso Wolfowitz conhecem-nos...) sabem que há determinados fluxos de informação conformadores da realidade a que muito dificilmente se escapa. O que não quer dizer que não se vá tentanto. Dou um exemplo doméstico: na primeira fase dos governos Guterres era difí­cil aos media fugirem ao estado de graça (no dia em que ele calou uma manif simulando o diálogo, os media exultaram, quando poderiam e deveriam ter sublinhado a demagogia da coisa), mas na fase final do guterrismo era ainda mais complicado escapar ao escárnio generalizado (quando ele citou o filho acerca da falta de profissionalismo dos portugueses, isso teria dado um bom debate, mas foi apenas noticiado como uma anedota...)
Quero com isto dizer que, no fundo, o funcionamento dos blogues em nada difere dos media tradicionais. Há apenas uma multiplicação de vozes.
E, com isto, chegamos aos editores. Concordo com a generalidade das crí­ticas do Abrupto (e da sua encarnação tradicional...) ao funcionamento dos media. Mas não penso que o problema esteja apenas nos editores. Conheço muitos jornalistas que não escrevem o muito que sabem (ou não investigam as muitas pistas que lhes chegam...), como também há os que escrevem sobre coisas de que nada conhecem. O crise de autoridade (eu diria preguiça, nem sempre inócua, ou seja, preguiça genuí­na) é generalizada, não atinge apenas os editores ou directores.
O Liberdade de Expressão dá a entender que bom mesmo seria uma editor automático. Uma espécie de Google. Mas dou-lhe uma pista de reflexão. No dia em que foi desmascarada a cabala Wolfowitz, quem procurasse o nome do adjunto da Defesa no Google recebia, nos dez primeiros resultados, outros tantos links, todos com origens diferentes, mas todos conduzindo a um local: a página do Departamento de Defesa dos EUA. Nenhum ao Guardian ou a um media que falasse sobre o assunto. Curioso, não é? O que levanta várias questões: terão sido mesmo os blogues a desmascarar o Guardian e correligionários, ou terá sido uma avalanche de clicks feitos nos vários organismos estatais dos EUA? Incensar a imparcialidade das máquinas pode ser o primeiro passo para o pior dos totalitarismos, e dizer isto nem sequer é novidade.