O leite UHT
A bilha do leite circulava pela aldeia ao fim da tarde. Só havia uma vaca e o precioso líquido era distribuído pelas casas com filhos em crescimento e com posses para o pagar. A minha mãe recolhia-o numa pequena bilha de alumínio, um objecto a que perdi o rasto. Às vezes, a mãe dizia: «Hoje, o leite foi benzido». Queria ela dizer que a vaca tinha preguiçado e a dona acrescentara um pouquinho de água.
Não voltei a encontrar aquele sabor, aquela espessura. Nem nas pequenas garrafinhas de Vigor que depois descobri na grande cidade.
Foi ainda na aldeia que provei o primeiro leite pasteurizado. Vinha em embalagens em forma de pirâmide, meio litro, de uma fábrica em Portalegre.
As embalagens evoluiram para o paralelepípedo, incharam, chegaram ao litro, cheguei a ver de litro e meio. E depois vieram os meio-gordos e os magros. E o médico, «com a sua idade e este colesterol, o melhor é beber magro...»
O leite UHT nunca me devolveu o sabor, a consistência, do leite da minha aldeia. Nem aquele mais caro, cheio de vitaminas, muito puro, de vaquinhas seleccionadas. Por isso, compro do mais barato. Rectifico, por uma questão de precaução compro do segundo mais barato, sempre desconfiei das farturas.
Mas o leite UHT nunca me sabe ao mesmo. Uns dias sabe a leite, outros nem por isso. Nos últimos tempos, dou comigo a repetir a minha mãe: «Este leite foi benzido». Quer dizer, este leite foi feito com leite em pó.
Nunca soube o que aconteceu à vaca da minha aldeia. Se se reformou voluntariamente, se morreu lentamente de tristeza.
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