sexta-feira, 24 de outubro de 2003

Casa Pia - duas posições

O leitor Luís Bonifácio - com quem já troquei umas ideias sobre leite e Joni Mitchell - escreveu-me um longo texto acerca do processo Casa Pia, no qual, em grande medida, manifesta discordância com algumas das coisas que aqui escrevi nas últimas semanas. Penso, por isso, que seria supérfluo responder a cada um dos aspectos que aborda. Eis os excertos mais significativos:
“O caso casa pia está a ser politizado”, acusa a direcção do PS. Quem estiver atento às notícias só pode chegar a uma conclusão, “O caso casa pia está a ser politizado pela própria direcção do PS”. Desde Fevereiro que nenhum outro partido utilizou a prisão de Paulo Pedroso como arma de arremesso.
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“A divulgação das escutas é destinada a fazer cair Ferro Rodrigues”. Sinceramente os factos demonstram que esta divulgação não é necessária para fazer cair Ferro.
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Quem quer ser primeiro-ministro ou ministro de negócios estrangeiros (Ana Gomes) têm de saber uma postura de estado e nunca perder o sangue frio (ou pelo menos ser o ultimo a perdê-lo). O Caso casa pia tem provocado na direcção do PS (Candidatos a ministros portanto) uma histeria total de que eu não me lembro. Imagine-se o que teria sido do país se no verão quente de 75 a classe governante tivesse entrado em histeria? Quantas pessoas teriam ido à fonte luminosa? Teria havido 25 de Novembro se o grupo dos 9 fosse constituído por histéricos? E se Costa Gomes fosse tão histérico como Ana Gomes? Esta direcção do PS pura e simplesmente NÃO SERVE, a bem da nação venham outros, pois este governo que temos já fede mas com esta direcção do PS é melhor manter lá o Barroso e o Portas pelo menos até às próximas eleições.
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Rematando considero que a sua frase “Bloco central de interesses” toca no cerne da questão. Na minha modesta opinião, o caso Casa Pia poderá ser, caso produza a condenação de gente importante, a passagem do Rubicão para a sociedade portuguesa, no que toca à destruição de “certos interesses instalados” nela desde à muitas décadas, será como o dia de abertura da caça aos patos, os caçadores todos (Magistrados e policia) de caçadeira em punho para apanhar os patos. E quem são os patos? Advogados e outros que ganham rios de dinheiro e só declaram o salário mínimo; Uma lavandaria disfarçada de banco; Um politico que mete as mãos no bolo; Uns negócios escuros de uns grandes lusitanos orientais. Quem não vai ser o magistrado desejoso apanhar um destes “patos” e dizer aos colegas “o meu é maior que o teu!”
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Eu acho que estas fugas (Pró defesa e contra defesa) vêm de um uma única fonte que tem como objectivo final fazer com que o caso termine como terminaram muitos outros: prescrições, condenação das testemunhas, processo “mal instruídos” e assim manter alegremente o status-quo vigente. Por isso esta direcção transformou, involuntariamente, o PS no defensor destes “interesses”, eles estão todos aninhados nas costas do Ferro, sendo este mais outro motivo para o PS mudar de direcção
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O Adufe, entretanto, levanta uma questão fundamental: terá Ferro Rodrigues condições para conduzir normalmente o PS, fazendo oposição normal, enquanto este processo não terminar (e temos de admitir que isso vai levar anos...)?
Acho que não. Mas também me parece que nenhuma direcção do PS, seja quem for o líder, terá grandes condições para o fazer. Esse é o verdadeiro problema. Pessoalmente - embora admita que esta seja uma posição excessivamente romântica, que posso assumir porque não tenho qualquer interesse directo neste caso - ficaria triste se visse uma direcção partidária cair devido a comportamentos que considero inadmissíveis da parte do aparelho do Estado. Isso sim, seria uma derrota para a democracia.