quinta-feira, 2 de outubro de 2003

Gama referendo

Jaime Gama decidiu vir à superfície e alerta-nos para a «paródia democrática» que seria um referendo sobre a Constituição europeia.
Diz que seria uma «ilusão de participação popular», insinua que o povo não está informado sobre o assunto e que o referendo seria canibalizado pelo campo anti-europeu.
Tudo isso pode ser verdade. Mas vamos por partes.
Jaime Gama quererá maior «paródia democrática» que eleições legislativas nas quais a escolha é entre o pessoal político do PS e o pessoal político do PSD? Ele que até foi ministro de um governo de Bloco Central, saberá melhor que ninguém que os dois maiores partidos, quando no poder, se limitam a gerir os seus interesses ao sabor das circunstâncias. Que governam por governar, sem ambição nem convicção. Como vimos no passado e veremos num fututo próximo.
E depois há a complexidade das coisas europeias. Mas que complexidade é essa, tão diferente assim da complexidade das coisas domésticas? Se explicarem bem, talvez o povo perceba. Ah, a demagogia e o medo das manipulações... Mas não é assim com tudo?
E há ainda o maldito do consenso. Que se pode romper o sacrossanto consenso europeu. Mas que consenso é esse? PS e PSD estão de acordo nas grandes questões europeias. Pois, mas no papel, também estavam quanto à regionalização e depois foi o que se viu... E querem coisa mais podre em política que o consenso? Ainda para mais um consenso nunca sufragado? Um consenso que se tem medo de levar a votos, não se vá ele estilhaçar?
Jaime Gama tem ainda medo dos anti-europeus. Mas, caro doutor Gama, se os que defendem o modelo proposto forem activos e se empenharem na campanha, o pessoal talvez vá atrás. Eu percebo o problema: no campo do «sim», há muita preguiça, há muita gente instalada à sombra do consenso, há muita gente que é pela Europa porque sim, porque é tão europeu, tão cosmopolita, atravessar o continente de euros no bolso. E, no campo do «sim», há muita gente que não está interessada em discutir nada, porque nada percebe do que está causa.
Os referendos são sempre um risco. Mas já houve referendos sobre várias questões, em países importantes da UE, nos quais ganhou o «não» e o mundo não acabou. O risco do referendo é um risco normal em democracia. Não tenha medo do risco, doutor Gama.