quarta-feira, 29 de outubro de 2003

O Iraque, os EUA, a ONU (uma polémica)

No Mar Salgado encerraram a polémica, mas ainda há duas ou três coisas para dizer. Se ficar a falar sozinho, paciência. Habituei-me bastante nos últimos meses.
Por exemplo, de nada vale ao NMP vir com tiradas do estilo «manifeste-se contra os americanos à vontade» porque, além de não me manifestar (no sentido mais comum da palavra), não sou anti-americano. Quero é gozar da liberdade de, a cada momento, poder criticar decisões e políticas. Parece que isso hoje incomoda muita gente. Paciência, outra vez.
A questão central que NMP e Neptuno levantam é a do unilateralismo versus multilateralismo. Acho justo, essa é a questão mais séria e ampla que o problema do Iraque levanta.
É claro que, para debater a coisa seriamente, tenho de ignorar o que NMP escreve sobre contratos petrolíferos e outras incidências económicas. De outra forma, corria o risco de me desmanchar a rir e de o debate ficar por aqui.
O Neptuno debruça-se sobre o funcionamento da ONU. Entendo muitas das preocupações que levanta, mas tenho uma série de objecções.
Não me parece que os EUA, enquanto única superpotência, tenham algo a perder ou corram o risco de ficar reféns da ONU. O passado deixa-nos muitas pistas. Por exemplo, os EUA bloquearam a recondução de Boutros Ghali, um secretário-geral que não era do seu agrado, os EUA limitaram radicalmente a acção a Unesco, cortando o financiamento, quando a agência prosseguiu políticas que não lhes agradavam, os EUA bloqueiam sistematicamente toda e qualquer decisão que belisque o seu aliado preferencial no Médio Oriente. O peso específico dos EUA manteve-se intacto nas últimas décadas. Não me parece é que seja aceitável transformar a ONU num departamento da diplomacia dos EUA.
O Neptuno diz depois que muitos países (exemplifica com a França, vá lá saber-se porquê...) agem por motivações egoistas. Meu caro, mas não é sempre assim? Não é assim, por exemplo, na União Europeia? Ou o meu amigo acha que existe altruismo nas relações internacionais? (Ah, desculpem, temos a excepção do Bush que foi implantar a democracia no Iraque...)
Por último, a questão dos países não democráticos. Meu caro, a verdade é que eles existem e temos de conviver com eles. Quer maior hipocrisia do que o apoio tácito que os EUA dão à tal China que refere, ou à Rússia (acha que aquilo é uma democracia?), isto só para falar nos maiores.
Quanto ao facto de esses países terem por vezes posições de destaque, como a presidência da Comissão de Direitos do Homem, isso também me incomoda. Mas, num órgão colegial, a presidência acaba por ser meramente operacional, o que contam são os votos. Obrigar esses países a participarem dessas decisões parece-me, de resto, que até pode ter um efeito positivo - ouvem das boas, são obrigados a lidar com o problema, talvez até percebam melhor o isolamento a que se votam.
[O Planeta Reboque juntou-se ao debate]