Intervalo?
Pegou no jornal e andou pela redacção a mostrá-lo. «Já viram? Já viram? Isto dava um texto do caraças... uma coisa com metáforas sobre o buraco. Portugal no buraco, estão a ver?»
Sim, estávamos a ver. Era a foto que correu mundo do autocarro engolido por uma rua de Lisboa.
Com a mania de rejeitar as primeiras impressões, o que eu mais via era o autocarro intacto, nem tanto o buraco. A perfeição do engolimento, sem um arranhão no mastodonte, era isso que me espantava.
«A metáfora», dizia ele.
E dei comigo a pensar que há alturas na vida dos países em que as metáforas não pegam. Em que, na realidade, nada pega. Alturas de uma agreste e funda secura. Falo dos comentários.
Vejam bem. Em 48 horas, Portugal transformou a obsessão do défice na capitulação perante a facilidade, viu o chão abrir-se-lhe literalmente debaixo dos pés, perdeu para os espanhóis (meu Deus, para os espanhóis...) o eldorado que nos ia salvar, outra vez ali aos pés da Torre de Belém. Tudo isto perante o olhar distanciado, mas certamente aturdido, do primeiro-ministro, acabadinho de abençoar pelo Papa e a anunciar ao mundo que lhe tinha pedido para rezar por nós.
E nada disto mereceu comentários inflamados, metáforas a granel, gestos desvairados.
Lembram-se? Foi a Expo e éramos os melhores do mundo desde tempos imemoriais. Caiu um autocarro ao Douro e éramos uma merda desde os idos da Fundação. Qual Fundação... de muito antes.
Afinal, para quê tanta exaltação? Foi-se a Expo e onde pára a modernidade? Foi-se Entre-os-Rios e eis que cai um viaduto no IC-19. Não aprendemos nada.
Agora é tudo assim-assim. Apenas.
Vivemos tempos de grande moleza. De governos que prometem reformas em barda e quase parecem governos de gestão. De oposições que parecem tudo menos alternativas. De jornais que perderam causas e se limitam a relatar a vidinha. Sem entusiasmos, para não afastar os poucos leitores que ainda se preocupam.
Não sei se a culpa é do terror global, se da crise geral. Sei é que este intervalo está a prolongar-se para lá do tolerável.
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