segunda-feira, 24 de novembro de 2003

Objectividade (II)

O texto do Retórica é quase um Ovo de Colombo. Tudo aquilo me parece de uma evidência cristalina. E, no entanto... no entanto, tudo aquilo parece andar muito esquecido por estes dias, em se exige aos jornalistas uma esterilidade de abordagem que raia o patético. Por isso, ainda bem que o Retórica se deu ao trabalho de explicar tudo bem explicadinho (o texto é longo, mas vale a pena).
Não há, portanto, jornalismo inócuo, esterilizado. Nem, em minha opinião, nos famosos directos. Embora nesses actos me pareça que os jornalistas abdicam em grande parte de o serem, o próprio gesto de transmissão é em si uma opção jornalística, isto para além de uma série de pormenores de transmissão que são, afinal, jornalismo.
Laura Rubin, embora subscreva este ponto de vista, exige, apesar de tudo, que o jornalista tente, na medida do humanamente possível, uma certa neutralidade.
Esta, parece-me, é a perspectiva de uma consumidora de informação um tanto saturada da confusão entre notícias e opinião, em que alguma imprensa cai com frequência.
A verdade é que o jornalismo português, principalmente na área da política, passou, nas últimas décadas, da notícia pura e dura, estilo agência, para um estilo de notícia em que a interpretação dos factos se sobrepõe ao seu relato. Como LR assinala, por vezes parece que o jornalista está a agir como advogado e a tentar convencer alguém das suas teses.
A imprensa portuguesa ganharia se fizesse um esforço para regressar a uma certa inocência - a palavra soa-me inadequada, mas não encontro outra - e confiasse mais na capacidade de discernimento dos seus leitores. Não estou a pensar num regresso ao passado. Acho que alguma dose de interpretação é útil. Mas também acho que, a partir de certo ponto, a interpretação passa para o campo da análise e daí para a opinião.
Por isso, a par desse regresso a uma certa inocência - narratividade, se quiserem - gostaria que a imprensa portuguesa tivesse mais espaços como o que Jorge Almeida Fernandes mantém semanalmente no Público. Análise, interpretação, contextualização. Tudo devidamente assinalado e não disfarçado de notícia.