Coisas da sensatez
Conheço o Francisco há algum tempo. O conhecimento pessoal é irrelevante para o caso. Conheço-o melhor dos escritos e ditos. Tenho-o por uma das pessoas mais sensatas que escreve sobre o mundo. E quando digo «sensatas» é isso mesmo que quero dizer, numa altura em que as palavras estão gastas, corrompidas mesmo. Hoje, ser sensato vale pouco. No mundo mediático, vale mesmo muito pouco.
O Francisco, quando fala dos judeus, perde um pouco dessa sensatez. O que é normal. Diria ele que todos nós temos direito a sermos menos sensatos. Direi eu que a falta de distanciamento o leva a hiper-valorizar uma data de coisas quando se fala de judeus. Insisto - vejo nisso uma grande normalidade. Indigna-se superlativamente com qualquer ataque aos judeus e eu nem sequer posso, ou devo, desvalorizar seja o que for. Qualquer ataque da ordem da xenofobia nos tem de incomodar. E talvez nos deva incomodar também qualquer tentativa de hierarquizar esse tipo de horror.
Não estou especialmente interessado em discutir o anti-semitismo. Não tenho conhecimentos, nomeadamente históricos, para tal. E, confesso, não tenho um especial interesse no assunto.
Interessa-me, por vezes, a acefalia que percorre certos debates. O Francisco, obviamente, não tem a culpa. Mas ele fala de relatórios sobre anti-semitismo engavetados e há logo uma data de textos apatetados atirando-se ora à Europa, ora à esquerda e, nos casos mais doentios, à esquerda europeia.
É isso que me incomoda. Pensar ainda é das poucas actividades sobre as quais não se paga imposto. E em relação à qual a ciência ainda não descobriu efeitos especialmente nefastos sobre a saúde.
Incomoda-me, repito, a carneirada. Incomoda-me que, especialmente depois do 11 de Setembro, uma data de gente tenha engolido a cassete da «esquerda» e da «Europa» e a use indiscriminadamente. Qualquer tema serve - o chavão a tudo se aplica.
O sorriso alarve que se pressente quando atacam, sem motivações fundas e de forma insistente, a «esquerda» e a «Europa» é altamente revelador da falta de sensatez de que falei de início.
Porque a «esquerda» e a «Europa» cometem tantos erros como a «não esquerda» e a «não Europa». Um debate sustentado no cliché da maldade da Europa e da esquerda parece-me altamente empobrecedor.
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