quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

Ainda os media e o luto

Tinha decidido não voltar ao tema da cobertura meditática da morte do futebolista Fehér. Um texto do Miniscente, que já linkei, e um outro escrito hoje pelo Icosaedro levam-me, porém, a deixar aqui mais duas ou três reflexões. Confesso que o faço igualmente por um motivo egoísta - a organização de ideias. Por isso, vai tudo numeradinho...
1. Tenho uma visão bastante crítica acerca do sistema mediático, nacional e global. Os arquivos deste blogue aí estão para o provar.
A televisão, até pelo impacto que tem, assume claramente um lugar de destaque em qualquer crítica. Entre outros que poderia elencar, há três factores determinantes para a desregulação do nosso sistema mediático. a) a duração dos telejornais, pelo nivelamento que faz entre o que é verdadeiramente importante e o que seria dispensável; b) o peso dos directos, visto que os directos não são propriamente jornalismo, falta-lhes a selecção, a elaboração, a hieraquização, a mediação jornalística; c) a falta de preparação/profissionalismo com que a profissão de jornalista está a ser exercida.
2. Os problemas que se colocam em Portugal não são muito distintos dos que ocorrem lá fora, pelo que não me parecem justas as declarações de grande nojo à Pátria. Basta vermos, por exemplo, a Sky News para percebermos como um simples assassinato gera por vezes uma cobertura intensiva, distorcendo claramente as prioridades da informação. Isto para não falar da histeria global à volta da morte de Diana.
3. Os media são hoje também fonte de emoções. Para o bem e para o mal, não vale a pena fugir. Por exemplo, a transmissão directa e integral de um jogo de futebol é informação ou emoção? As pessoas que agora se indignaram com os excessos não são os mesmos que passam horas em estado letárgico em frente ao televisor a ver futebol?
4. Vivemos num mundo que produz informação em excesso. As pessoas que fazem blogues são, maioritariamente, pessoas com excesso de exposição a essa informação. Não se pode é ter sol na eira e água no nabal. Ter canais de informação 24/24 e depois não aceitar que esses canais repitam até à exaustão certas notícias.
5. O que notei no caso Fehér foi (desculpem a palavra, mas elas foram feitas para serem usadas...) uma enorme hipocrisia. Porque os blogues ainda hoje estão cheios de fotos do Fehér, homenagens aos Fehér, até blogues dedicados ao Fehér (!!!) e depois as televisões é que são acusadas de exagero.
6. Chegamos, então, aquilo a que chamaria de banalização da indignação. Aqueles discursos eivados de ataques aos jornalistas, fazendo apelo a uma ética não explicada. É um caminho de facilidade, tão demagógico como o objecto que pretende criticar.
7. Outro aspecto que considero importante tem a ver com o luto colectivo. Já o escrevi e insisto: o luto colectivo vive, não do silêncio, mas do ruído mediático. Os media exacerbam, mas também exorcizam a nossa dor. Há, por isso, pulsões contraditórias. Vemos para sofrer, porque, no fundo, queremos sofrer, precisamos de nos embrenhar no sofrimento colectico, mas rapidamente nos indignamos, numa lógica circular.