quinta-feira, 1 de janeiro de 2004

Não deitem as cartas para o lixo

As denúncias anónimas, cheguem elas através de blogues muito mentirosos, de notícias no Le Point, ou das mais prosaicas cartas, devem ser investigadas e não deitadas no caixote do lixo. Nada pior para uma sociedade democrática que o diz-que-disse, a insinuação, a acusação rasteira, a boca. E isto é válido no jornalismo e na justiça. A denúncia anónima não é notícia em si, nem pode ser prova em tribunal. Mas não pode ser ignorada. Quantas notícias importantes, quantos processos de monta, tiveram na sua origem alguém que, por simples comodidade ou cobardia, ou por motivos eventualmente mais nobres, não deu a cara?
Compreendo, por isso, que as denúncias anónimas tenham sido levadas em conta no processo Casa Pia. E que, em consequência disso, constem do processo. Em nome da transparência, do processo tudo deve constar: o que a acusação considera relevante, mas também aquilo que chegou ao seu conhecimento e foi considerado irrelevante. Esse material deve é ter, obviamente, tratamento diferenciado.
Outra coisa será a divulgação dessa matéria. Mas é claro que ninguém deve esperar que, a esta altura do campeonato, se respeite o segredo de justiça.
A história deste processo - com todas as peripécias, com as verdades que forem provadas, mas igualmente com a lama que entretanto se acumular - será, ela própria, altamente reveladora. Da verdadeira dimensão do crime, da verdadeira culpabilidade dos personagens que estão, mas também de muitos que não estão.
Será necessário esperar muito tempo. Será trabalho mais para historiadores, do que para jornalistas ou juízes. Até lá, teremos que lidar com esta enorme incomodidade.