quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

(Nocturno) Acentuado arrefecimento

Em dias como estes íamos à escola de luvas de lã, brincávamos com o fumo que saía da boca.
A erva dos passeios esbranquiçava, quebrávamos os finas camadas de gelo nos tanques de lavar a roupa.
Depois do almoço, os becos da aldeia enchiam-se de banquinhos de pinho e verga. Vínhamos da escola para a beira dos velhotes, de manta nos joelhos.
Aquele sol, quentinho!, as contas da tabuada, mais os reis de Portugal, os rios de Angola e os comboios de Moçambique. O pão com manteiga e açúcar.
Eram cinco e já o sol definhava. Jogávamos às escondidas - se uma casa o tapava, puxávamos o banco para aquela nesga, recuávamos contra a parede. Não havia nada a fazer, já os primeiros odores das pinhas e das madeiras crepitavam por toda a aldeia.
Recolhíamos ao lar, não era lareira, era lar, daquelas lareiras grandes, com pessoas dentro. Onde também já fervilhavam os feijões, as couves, odores inesquecíveis, a que o azeite cru haveria de dar o travo que ainda hoje se persegue.
Àquela hora, havia história antigas, o som de uma motorizada ao longe, alguém da família que aparecia. Os mais novos que teimavam em revolver as brasas com a tenaz. A água que se punha a aquecer para a botija que te esperava na cama.
E havia a certeza que nem sequer te assaltava de que amanhã voltarias percorrer os mesmos caminhos da escola, como se tudo fosse natural, estivesse no seu lugar e tivesse de assim ser. Emocionas-te é agora.