domingo, 18 de janeiro de 2004

O «torpor lamuriento» (um contributo)

Recomendo vivamente o artigo de Pedro Magalhães, no Público de sábado, em resposta a um texto de José Cutileiro, na edição de terça-feira do mesmo jornal.
Em traços gerais, o sociólogo rebate a tese do «torpor lamuriento», segundo a qual o povo, esse mal agradecido, só sabe criticar, exigindo ao Governo as soluções para tudo e mais alguma coisa.
Magalhães enquadra, naquele seu estilo sereno e informado, o tema da desilusão que atravessa as democracias ocidentais e até explica como a passividade/alheamento dos portugueses, em vez de pôr em causa o regime democrático, até facilita a vida ao Governo.
Ora bem. Durante cerca de um ano e meio escrevi semanalmente sobre a política portuguesa, precisamente na fase de transição de Guterres para Durão. Como era obrigado a escrever, lia tudo (ou quase...) o que se escrevia e reflectia (na medida das minhas capacidades...) antes de alinhavar umas ideias.
Uma das constatações que retirei desses tempos encaixa na perfeição na tese defendida por Pedro Magalhães.
Conforme os ciclos políticos, os intelectuais de cada campo político têm tendência a pôr toda a sua capacidade de análise ao serviço do ideal que defendem. Sejam professores universitários, poetas, eurodeputados ou simples jornalistas.
E uma das teses que sempre vinga quandos os governos começam a revelar dificuldades é a de que o Governo governa bem, o povo é que não entende. Há quem se fique pela tese das falhas de comunicação, de que já aqui falei, e há quem vá mais longe e teorize sobre a indiferença, quase a maldade dos povos, sempre dispostos a achincalar o que os governos querem fazer.
Na fase final de Guterres, a generalidade dos comentadores pró-socialistas expandiam essa tese. Que nos últimos meses ressurgiu, agora na pena dos comentadores pró-PSD. É ver o pessoal muito angustiado a escrever sobre a choldra deste país que não está preparado, não percebe, nem quer perceber, o bem iluminado caminho pelo qual o Governo nos quer conduzir. O artigo de José Cutileiro foi apenas um entre muitos.
Se alguma novidade há nesta argumentação, é apenas o momento em que surge. Mas a aceleração do ciclo político é história para outra ocasião.