Confissão de um melómano maniqueísta
O José «Um, dois, três... cinco minutos de jazz» Duarte escreveu há uns anos uma frase de que gosto particularmente: «A boa música distingue-se da má pela qualidade.»
Vem isto a propósito do desafio lançado pelo MacGuffin, acerca das orientações ideológicas aplicadas aos gostos musicais [aqui, metade dos meus escassos leitores mudam de canal...]
Dou comigo a pensar que a ironia que por vezes uso (pois, pois, é uma arte e, se calhar, artista é coisa que não sou...) e a pura provacação (pois, pois, etc, etc...), mais tarde ou mais cedo, acabam por me dar apenas uma grande trabalheira. Mas pronto, o mal está feito...
A verdade é que sempre associei a direita a um gosto conservador. O que, reconheço, é hoje apenas um cliché. Pelo menos desde que inventaram essa coisa bizarra que responde pelo nome incerto de «direita inteligente». Porque «inteligente» inclui, parece, o conceito de «sensível».
Eu era, reconheço, daqueles que associava a direita ao António Mourão, no máximo ao Frederico Valério, e, lá fora, ao Frank Sinatra (nada mau, hã?) e a umas coisas entre o clássico e um modernismo balofo, que, no fundo, descabavam sempre em James Last.
Porque o resto eu associava à esquerda. Do rock à música brasileira, passando pelo Brel, o Sérgio Godinho e os Rádio Macau.
Vejam bem, essa malta ora andava metida na droga, ora abortava ou defendia o dito, ora andava por aí a pregar a revolução, no mínimo um certo incorformismo. A direita, pensava eu, não poderia gostar dessa gente. Porque essa gente fazia e pregava tudo aquilo de que a direita dizia não gostar.
Descubro agora que, sim, a direita sempre gostou dessa gente. Porque, secretamente, a direita sempre usou drogas, sempre abortou, sempre praticou sexo fora do casamento... diz publicamente o contrário, mas no segredo das alcovas sempre o fez.
Porque, convenhamos, e pegando apenas num exemplo apontado pelo meu caro MacGuffin, as canções de Billy Bragg, além de serem de um anti-thatcherismo primário, contêm referências culturais genéricas e modos de sentir a vida que radicam em valores de esquerda.
É claro que ainda me vou arrepender deste meu maniqueísmo. Acusação injusta, porque ao pôr a «direita inteligente» a cultivar valores de esquerda estou, implicitamente, a desvalorizar essas confrontações clássicas.
Post scriptum: meu caro MacGuffin, não sou eu que vejo tudo pela lente da política. São os seus amigos. Veja o que eles escreveram sobre o Ary dos Santos. Eles nunca leram Ary dos Santos. Apenas conhecem o seu número de militante do PCP.
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