quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

O Estado (não) vai à bola

Alexandre Mota Pinto, no Mar Salgado (a nau estava mesmo a necessitar de um reequilíbrio...), levanta uma série de questões muito interessantes sobre as relações entre desporto e política, na sequência de um texto (Pereira Alegre) que aqui escrevi sobre o mesmo assunto.
Comecemos pelo acessório. Chamei Salazar e Estaline à baila por motivos subliminares, quase freudianos. JPC tinha manifestado saudades do velho das botas umas semanas antes, Alegre chamou «estalinista» a Guterres (imagine-se...) antes de um célebre congresso do PS em que se defrontaram. A referência era, pois, quase do domínio da private joke e, admito, poder ter desviado a atenção do essencial.
Há um outro ponto em que concordo totalmente com o AMP - todos os poderes usam o desporto como motivo de diversão, no sentido lato da palavra. Nisso, as democracias aprenderam muito com as ditaduras.
Quanto ao essencial - a intervenção do Estado no desporto - se eu explicar direitinho o que penso sobre a matéria talvez até estejamos de acordo.
Os textos de JPC e Alegre seguem-se a umas declarações patetas de Mourinho e a umas altercações em Guimarães. JPC, mais que Alegre, consideram que o Estado deve pôr os dirigentes na ordem. Eu até vou mais longe, e acho que as instituições do Estado devem por toda a gente na ordem. E aqui incluo desportistas, treinadores e espectadores.
O que me parece é que, sendo o desporto profissional uma actividade privada, o Estado deve legislar e fazer aplicar a lei. O que os textos de JPC e Alegre indiciam é bem mais vasto e, em meu entender, entra pelos terrenos do intervencionismo puro, incluindo mesmo aspectos morais.
Ora o desporto (entenda-se, o futebol) até já tem regras muito claras. O funcionamento das SAD, as questões fiscais, a compra e venda de jogadores, uma infinidade de coisas que desconheço, porque nem sequer vou à bola. Quanto ao que se passa nos estádios, até me dizem que as ideias recentemente avançadas pelo Governo (afastar os hooligans) até já estão previstas na lei portuguesa.
O que não compete ao Estado fazer é moralizar o futebol - se o senhor Mourinho quiser dizer disparates, o Estado deve proibir? Se os senhores Pinto da Costa e Dias da Cunha passam a vida a incendiar paixões, o Estado deve impôr a censura? Se o senhor Luís Filipe Vieira até com a língua portuguesa tem dificuldades, o Estado deve mandá-lo à escola? Se o senhor Loureiro manda na Liga e o filho do senhor Loureiro manda no clube e passam a vida a fazer ameaças veladas, não será isso um simples caso de polícia?
Sinceramente, parece-me que, à parte o que compete ao Estado regulamentar (e isso já está feito, independentemente de eventuais aperfeiçoamentos), o futebol deve obedecer às regras da auto-regulação. Se os espectadores não gostam daqueles dirigentes, elejam outros. Se os os dirigentes acham que aquilo é um mundo corrupto, mudem de vida. Se há quem se dê mal com os estádios, deixe de lá ir.
Entendo que o Estado deve zelar por uma série de coisas fundamentais, básicas, da vida. Quanto a isso, sou ferozmente estatista. O que me encanita é que chamem o Estado a regular o acessório. Qualquer dia, até querem a intervenção do Estado no Festival da Eurovisão (vai daí, era capaz de ser mais útil para a imagem do país do que as tricas da bola...).