domingo, 11 de julho de 2004

Business as usual

Discute-se agora como vai ser. Como vai o Presidente controlar as políticas do novo Governo - ele, que exigiu fidelidade aos compromissos de 2002 - e como vai o Governo conformar-se - não hostilizar, pelo menos - com o Presidente?
Do ponto de vista teórico, parece-me excitante. Os constitucionalistas vão vibrar com a redefinição dos lugares ocupados pelo PR, a AR e o Governo no sistema constitucional, delirar com os limites da coisa, trocar argumentos sobre o tipo de regime em que, afinal, vivemos e, mais importante ainda, que entendimento fazem os actuais detentores dos cargos dessa arquitectura.
Não sendo constitucionalista, nem jurista, nem nada, confesso que é um debate a que acho graça. Relativamente ocioso, enfim, mas com graça. Uma espécie de xadrez.
Mas, na verdade, não espero que a prática, a realidade, a vidinha, estejam muito interessados nessa conversa.
O Governo vai governar como muito bem entender - dentro dos limites do costume - e o Presidente vai observar, ao longe, com a visão minimalista a que (n)os habituou. Vai chamar Santana a Belém, conversar no recato dos salões, chamar-lhe a atenção para um pequeno deslize, um esquecimento aqui, um exagero ali, e vai vetar uma coisita de vez quando, mandar outra para a Assembleia.
Nada de diferente do que tem sido. O Presidente, tendo a bomba atómica, tem muito poucas armas de menor envergadura. Se as usar com uma pequeníssima insistência, será imediatamente classificado de força de obstrucção. Com alguma razão, aliás.
Depois, quanto à governação concreta, convenhamos que a apreciação só pode ser altamente generalista, nunca descendo à análise fina, que é, afinal, a que faz a diferença. Dou um exemplo - Sampaio quer a continuação do rigor orçamental. Certo, mas de qual rigor? Do rigor dos dois-vírgula-tal propagandeados por Manuela Ferreira Leite e aceites por Bruxelas, ou dos mais-de-cinco que o Banco de Portugal considera reais?
Nas questões europeias, a mesma coisa. Todos sabemos que existe consenso anunciado sobre a necessidade e fazer um referendo sobre a Constituição europeia, mas todos sabemos, igualmente, que esse consenso aparente esconde divergências de fundo sobre o momento, as questões, as consequências, etc, etc. A partir de que momento considerará o Presidente que existe jogo sujo? Esta questão - que até aqui poderia ser dirimida pelas vias políticas normais da concertação - ganhará no contexto actual uma muito maior relevância.
Mas, é claro, estamos a cair na tal teorização. O melhor será mesmo esperar para ver.