domingo, 11 de julho de 2004

Crise? Nããã...

O João Miranda [Blasfemias] acha que a «crise das democracias» é apenas uma frase feita.
Não me parece - as taxas de abstenção bastam para provar o contrário. O JM vai buscar a I República, mas não era preciso ir tão longe. Admito até que a crise não seja crescente, que seja crescente apenas a percepção que temos da crise (devido à mediatização e outros factores) - o que vai dar ao mesmo.
Quanto à questão da confiança, o erro é ver a coisa a preto e branco. Confiança cega versus desconfiança total. Ora, nisto como no resto, há graus - e eu penso que, sim, entre políticos e eleitores tem de haver confiança. Em graus variáveis.
Não me parece, igualmente, que a «ética» ou a «cidadania» sejam alheias à política, como a às organizações humanas. A confiança, o grau de confiança, que o João Miranda deposita no homem do talho depende, não apenas dos trocos, mas da qualidade da carne que ele lhe vende, dia após dia. Uma dia que ele chegar a casa e vir que a carne não é tão boa como a do dia anterior, a sua confiança será afectada. E isso tem a ver com a ética.
Dito isto, é claro que o sistema de «checks and balances» funciona - ele destina-se a avaliar e rectificar o desempenho dos políticos. E esse desempenho inclui factores éticos e de confiança. É por isso que a avaliação dos políticos só pode ser subjectiva - porque cada um de nós tem entendimentos diferentes desses critérios.
Já agora, um esclarecimento: eu não desprezo os debates constitucionais. Pelo contrário. Acho-os interessantíssimos, precisamente porque tratam dessa matéria fluída de que se faz a política. Eu apenas disse que, aqui e agora, esse debate é teórico - os actores políticos prosseguirão praticamente indiferentes às mudanças de contexto.
Em política, os factores pessoais sobrepõem-se sempre às estruturas legais. Veja-se o caso Soares/Cavaco - o PR não precisou de qualquer pré-aviso constitucional para, na prática, travar a governação.