domingo, 22 de agosto de 2004

Futebol de serviço público

Vi pouco comentada aquela que, levada a sério, seria uma das afirmações mais importantes dos últimos tempos. «É preciso eliminar o lugar-comum de que o futebol é serviço público», disse Almerindo Marques, presidente da RTP.
Descontemos o facto de, eventualmente, estarmos perante uma mera afirmação de mau perder - tais palavras foram ditas no dia em que se soube que a TVI tinha ganho a transmissão dos jogos da Superliga (já agora, a RTP também concorreu, o que descredibiliza um pouco as palavras de Almerindo).
A afirmação é espantosa - habituámo-nos, desde sempre, a que o futebol tenha via aberta, prioridade, em toda a programação e informação dos media electrónicos, públicos ou privados. Os senhores que marcam as horas dos jogos são soberanos em questões de programação televisiva.
É altamente questionável se uma actividade fortemente comercial pode ser serviço público - mas, como se trata de bola, até a intelectualidade tem feito vista grossa.
A verdade é que o futebol tem sido o principal, se não o único, motor das audiências do nosso serviço público, ignorando-se o impacto que terá uma mais que certa quebra. Porque muitas das coisas acertadas que têm sido feitas na RTP são sustentáveis, em termos públicos e orçamentais, porque as audiências melhoraram.
O que vai fazer agora a RTP? Vai transmitir jogos de futebol da liga inglesa (haverá sempre uma justificação para que a alta qualidade daquele futebol seja serviço público...)? Ou vai apostar em programação de cariz claramente «serviço público» para combater a futebolização da TVI?
O Ma-Schamba levanta outra questão interessante - e os emigrantes? Questão duplamente interessante. O Ma-Schamba considera que o futebol é factor de «identidade e afectividade» para quem vive longe e eu nem sequer discuto, apesar de ser daqueles raríssimos portugueses que não percebem qual o interesse de ver 22 gajos a correr atrás de uma bola durante duas horas. E propõe ainda que a RTP-I transmita os jogos da TVI. É uma velha discussão - a RTP-I deveria ter programação das estações comerciais. Vamos ver o que acontece agora, nomeadamente ao nível do Estado (governo), que noutras ocasiões sempre tem actuado no pressuposto de que o futebol é serviço público, nomeadamente quando se destina aos emigrantes.