A circulação da informação (II)
As conversas sobre o Médio Oriente resvalam sempre para o radicalismo. Tendem a imitar a realidade. É o que acontece com a réplica de Nuno Guerreiro [Rua da Judiaria] ao que aqui escrevi sobre a utilização de ambulâncias da ONU pelo Hamas. Habitualmente sensato, o Nuno embarca numa catadupa de alegações que, no fundo, acabam por dar razão ao que escrevi inicialmente.
1. Apresenta-nos um vídeo da Reuters, sem qualquer contexto ou explicação. A ambulância terá sido roubada? As pessoas que entram nela são, de facto, do Hamas? Na verdade, aquele vídeo faz-me lembrar Colin Powell a apresentar na ONU as provas de que Saddam tinha laboratórios de armas químicas...
2. Depois, refere declarações do chefe da UNRWA que, alegadamente, reconhece a utilização de ambulâncias da ONU pelo Hamas. Bastaria ler com atenção e de forma não enviesada a totalidade das declarações para se perceber que, de facto, não é nada disso que ele diz. O que ele diz é que o Hamas é uma organização política (tem actividades terroristas, mas está implantada no terreno) e que, como tal, tem apoiantes (a distinção entre «members» e «militants» é aqui fundamental, sendo que «militants» não tem correspondência com o nosso «militantes») e que a ONU, obviamente, poderá ter ao ser serviço apoiantes do Hamas. Se se lerem as declarações sem má-fé, fica-se a saber que ele insiste na necessidade de «neutralidade» e «respeito pelas normas da ONU» por parte das pessoas que emprega. Numa entrevista concedida ao Jerusalem Post, Peter Hansen torna ainda mais clara essa sua posição.
3. O Nuno não resiste, depois, à habitual teoria da conspiração - que envolve sempre os europeus, os media, a ONU e a esquerda (a qual o Nuno deixa de fora...), conluiados para destruir o Estado de Israel e, em última instância, os judeus - e recorda Jenin. Eu dir-lhe-ia que os media europeus não investigaram Jenin como agora não estão a fazer o que deviam revelando o que, de facto, está acontecer com a operação em curso na Faixa de Gaza, em que todos os dias morrem crianças e civis. Por este andar, Israel há-de fazer com que todos os palestinianos adiram às teses do Hamas e, então, já não haverá gente para conduzir as ambulâncias da ONU.
4. O Nuno diz ainda que a realidade no Médio Oriente não é a preto e branco. Pois não, digo eu. Por isso, repito pela enésima vez - sei bem de que lado estou, gostava era que esse lado fosse mais sensato e deixasse de utilizar os mesmo métodos do outro lado, métodos terroristas, no fundo, sejam eles militares ou mediáticos.
[Já agora, o post seguinte do Nuno é igualmente curioso - a ideia de que com Arafat não há paz possível. É curioso como Israel acha que pode eleger os seus representantes (Sharon), mas também os seus interlocutores. A verdade é que o estafado tema Arafat não faz muito sentido - um dia que ele despareça vamos ver que tudo ficará na mesma, ou pior, visto que sem aquele referencial haverá uma óbvia tendência para que os grupos radicais se radicalizem ainda mais. Veremos...]
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