sexta-feira, 8 de outubro de 2004

Liberdade, estado, ética

[Resposta a Gabriel Silva, Blasfémias]
1. A liberdade de expressão, vista a partir dos blogues, é, de facto, absoluta. Em teoria, e mesmo assim só em teoria, qualquer um pode ter o seu blogue e, pelo menos até agora, dizer o que lhe passa pela cabeça. Lá fora, não é bem assim. Porque lá fora, poucos têm acesso à propriedade dos meios de comunicação e, por isso, a generalidade dos países estabelecem regras específicas, quer sobre o acesso quer sobre o equilíbrio dos seus conteúdos. Isto não é escandaloso - por isso é que, num texto anterior, falei em peixarias. A informação também é um produto, um bem, cujo comercialização obedece a regras.
2. O Estado tem aqui um papel regulador (o problema em Portugal é que, além de regulador, é vastamente proprietário...). E não é apenas a justiça que deve velar pelo bom cumprimento das regras - existem também as entidades reguladoras, como a AACS, que tem mais defeitos que qualidades, mas é a que temos.
3. Mas, quando digo que a liberdade de expressão não é um valor absoluto, refiro-me a outra factor que prezo acima de tudo - a diversidade. Para mim, de pouco vale a liberdade de expressão de alguns. A liberdade de expressão do professor Marcelo pouco me importa, importa-me que outras correntes de expressão não tenham acesso aos mesmos meios. Repare-se bem: que interesse tem, por exemplo, o PCP na liberdade de expressão do professor Marcelo, se o PCP está praticamente arredado do espaço mediático? Ou repare-se igualmente nisto: há um/dois anos, tinhamos Marcelo na TVI, Santana na RTP e depois na SIC, canal onde Pacheco Pereira detinha dois espaços semanais. Não vi nem 1 por cento da indignação que por aí vai - e, no entanto, a liberdade de expressão estava, então, verdadeiramente em perigo, com a ocupação quase em regime de exclusividade do espaço televisivo por militantes do PSD.
4. Se falei no caso Joana é porque acho que estamos exactamente perante o mesmo tipo de preocupações. Porque há uma ética que se exige para o trabalho jornalístico, mas há igualmente uma ética que exijo a quem faz comentário político. É normal, por exemplo, que os comentadores do PSD comparem as pontes de Santana aos piores momentos de Guterres, quando Durão também deu pontes? Por que carga de água vão buscar Guterres? É normal que o façam, semana após semana, a propósito de tudo e de nada?
5. Percebo que os consumidores queiram influenciar o modo como se faz jornalismo em Portugal. Mas incluo o governo no grupo dos consumidores. E acho normal que o governo critique e até apele aos tribunais ou entidades reguladoras. Mas também não sou parvo - e acho que neste episódio se foi muito mais longe que isso. E admito que isso prejudica a bondade com que tentei encarar este episódio.