terça-feira, 5 de outubro de 2004

Rui Gomes da Silva tem razão

A primeira tentação é, obviamente, condenar Rui Gomes da Silva. Estamos perante o porta-voz de um governo que tem na imagem e na comunicação um dos seus principais sustentáculos e que, paradoxalmente, tem sido repetidamente desastrado na sua gestão. E, claro, toda a gente se escandaliza quando o poder tenta controlar os media.
No entanto...
Ainda não há muito tempo, escrevi aqui [quem tiver paciência que consulte os arquivos] sobre o domínio da área PSD nos comentários de televisão. Com a saída de Santana da RTP e do solo de Pacheco Pereira da SIC, a situação modificou-se (não digo que tenha melhorado - isso ficará para outra altura). E também sou daqueles que considero completamente anormal a missa dominical de Marcelo - ele idealiza as perguntas, ele dá as respostas, ele exerce o contraditório. Quantas vezes dou comigo a exclamar «Mas isto não é verdade...»? E falo, obviamente, de factos, não de opiniões.
Portugal tem mecanismos legais - até em excesso... - para resolver essas situações. Quem se sinta atingido, pode sempre invocar o direito de resposta e levar a sua exigência às últimas consequências.
Mas o problema de fundo mantém-se - há uma evidente distorção da opinião político-mediática em Portugal, principalmente na tv, que é o que conta pelo impacto que exerce na opinião pública.
E não colhe a ideia que, tratando-se a TVI de um canal privado de televisão, pode fazer o que quiser, convidar quem quiser. A televisão privada é exercida em regime de concessão, ao abrigo de uma lei muito clara, que diz no seu artigo 8.º: «Constituem fins dos canais generalistas (...) Favorecer a criação de hábitos de convivência cívica própria de um Estado democrático e contribuir para o pluralismo político, social e cultural». E a AACS tem o dever de fazer cumprir essa lei.
Ou seja, os media - é esse o entendimento da nossa lei e da generalidade da legislação europeia - embora tenham todo o direito a fazer alinhamentos políticos, têm igualmente o dever de garantir o equilíbrio da expressão de opiniões.
Que seja um Governo PSD a pôr em causa Marcelo é a suprema das ironias - ele, dizem, não gosta de Santana. Mas, o que dizer de Guterres, por exemplo, que rara é a semana que não é achincalhado?
Obviamente que a corrente de indignação vai vingar e Rui Gomes da Silva sairá ridicularizado de toda esta história. Mas o problema de fundo está lá e é mais sério que este simples arrufo de malta da mesma cor.