sexta-feira, 29 de abril de 2005

Os filhos ilegítimos do Bloco

Há uns tempos que andam por aí. Primeiro em jornais de culto, depois nos blogues, agora no mais puro mainstream, ou seja em todo o lado. Até já têm uma revista. É possível reconhecê-los a léguas – passam a vida a dizer que o mundo está dominado por uma secreta aliança esquerda-media. Aliança, digo eu. Porque, para essa malta, os termos equivalem-se. Vivem, por isso, obcecados com aquilo a que chamam pensamento único. Dizem que estamos dominados, nos media, na política, na universidade, por esquerdistas mais ou menos assumidos. Eles acham que toda a gente anda com o pensamento formatado por essas teorias esmagadoras, imperialistas, inimigas do desenvolvimento, atrofiadoras. Eles têm, pois, uma missão – desmontar a cabala global. Por isso, estão sempre do contra. Ou melhor, gostam de dizer que estão sempre do contra. Porque o verdadeiro problema dessa malta é que, verdadeiramente, eles não estão do contra. Eles, à custa de estarem do contra, multiplicaram-se, invadiram toda a esfera pública, e agora são eles já uma espécie de pensamento único.
O método é simples – se se fala do Iraque, eles inventam que a maioria está contra a guerra porque se deixaram enganar por uns parolos que são contra a guerra. Porque nós não percebemos que a guerra é que é boa. Por isso, eles (re)descobriram a América. E acham-se proprietários da dita. Por isso, vêem inimigos da América em todo o lado. Por exemplo, na Europa. Ah, como eles detestam a Europa – porque a Europa, dizem, não gosta da América. Na Europa, dizem, os intelectuais de esquerda e os media ainda dominam tudo. Na América, não. Porque a América tem Bush. É um dos ídolos deles, não porque invadiu o Iraque, mas porque pôs a Europa no seu sítio. Na sua galeria de heróis, colocaram agora o Ratzinger. Porque se alguém (quem? os media, a esquerda…) se atreve a dizer que a escolha do novo Papa desiludiu é porque não percebe nada de nada. Conservador até ao tutano é o que está a dar. Esta malta toda tem, de resto, apesar das aparências indicarem o contrário, um cheirinho a água benta.
Domesticamente, esta malta adora zurzir no Estado. Contra aqueles que vivem à custa dele. Quem? Adivinharam – os media e a esquerda. Pois é, verdadeiramente, esta malta já não surpreende ninguém.
Mas o mais curioso desta malta é que eles nasceram como que em oposição ao Bloco de Esquerda. Se não fosse o Bloco, esta malta não existia. Porque eles só existem em contraponto ao Bloco. Aqueles moinhos de vento contra os quais lutam são única e exclusivamente as ideias do Bloco. Que eles tomam como corrente dominante da sociedade. É vê-los por aí a argumentar – espreme-se e que sai? Apenas manifestos anti-Bloco. Mas essa malta não beneficiou apenas da existência do Bloco, a tal esquerda cujos valores são hegemónicos. Beneficiou igualmente dos media (a outra face negra da coisa…), a qual, com problemas de consciência por ter impulsionado o Bloco, dá agora espaço generoso aos que a ele se opõem.
E é assim que está criado o monstro – dois extremismos que se digladiam na praça pública, como se representassem maiorias, quando, no fundo, são pouco mais que nada.