Os filhos ilegítimos do Bloco
Há uns tempos que andam por aí. Primeiro em jornais de culto, depois nos blogues, agora no mais puro mainstream, ou seja em todo o lado. Até já têm uma revista. É possível reconhecê-los a léguas – passam a vida a dizer que o mundo está dominado por uma secreta aliança esquerda-media. Aliança, digo eu. Porque, para essa malta, os termos equivalem-se. Vivem, por isso, obcecados com aquilo a que chamam pensamento único. Dizem que estamos dominados, nos media, na política, na universidade, por esquerdistas mais ou menos assumidos. Eles acham que toda a gente anda com o pensamento formatado por essas teorias esmagadoras, imperialistas, inimigas do desenvolvimento, atrofiadoras. Eles têm, pois, uma missão – desmontar a cabala global. Por isso, estão sempre do contra. Ou melhor, gostam de dizer que estão sempre do contra. Porque o verdadeiro problema dessa malta é que, verdadeiramente, eles não estão do contra. Eles, à custa de estarem do contra, multiplicaram-se, invadiram toda a esfera pública, e agora são eles já uma espécie de pensamento único.
O método é simples – se se fala do Iraque, eles inventam que a maioria está contra a guerra porque se deixaram enganar por uns parolos que são contra a guerra. Porque nós não percebemos que a guerra é que é boa. Por isso, eles (re)descobriram a América. E acham-se proprietários da dita. Por isso, vêem inimigos da América em todo o lado. Por exemplo, na Europa. Ah, como eles detestam a Europa – porque a Europa, dizem, não gosta da América. Na Europa, dizem, os intelectuais de esquerda e os media ainda dominam tudo. Na América, não. Porque a América tem Bush. É um dos ídolos deles, não porque invadiu o Iraque, mas porque pôs a Europa no seu sítio. Na sua galeria de heróis, colocaram agora o Ratzinger. Porque se alguém (quem? os media, a esquerda…) se atreve a dizer que a escolha do novo Papa desiludiu é porque não percebe nada de nada. Conservador até ao tutano é o que está a dar. Esta malta toda tem, de resto, apesar das aparências indicarem o contrário, um cheirinho a água benta.
Domesticamente, esta malta adora zurzir no Estado. Contra aqueles que vivem à custa dele. Quem? Adivinharam – os media e a esquerda. Pois é, verdadeiramente, esta malta já não surpreende ninguém.
Mas o mais curioso desta malta é que eles nasceram como que em oposição ao Bloco de Esquerda. Se não fosse o Bloco, esta malta não existia. Porque eles só existem em contraponto ao Bloco. Aqueles moinhos de vento contra os quais lutam são única e exclusivamente as ideias do Bloco. Que eles tomam como corrente dominante da sociedade. É vê-los por aí a argumentar – espreme-se e que sai? Apenas manifestos anti-Bloco. Mas essa malta não beneficiou apenas da existência do Bloco, a tal esquerda cujos valores são hegemónicos. Beneficiou igualmente dos media (a outra face negra da coisa…), a qual, com problemas de consciência por ter impulsionado o Bloco, dá agora espaço generoso aos que a ele se opõem.
E é assim que está criado o monstro – dois extremismos que se digladiam na praça pública, como se representassem maiorias, quando, no fundo, são pouco mais que nada.
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